quinta-feira, 30 de agosto de 2018

«Big Mal & Companhia» de Gonçalo Pereira Rosa



Portugal é um país pequeno na Geografia mas grande nos Paradoxos; tropeçamos no insólito, no peculiar, no inesperado. Há o morto que fala, o cantor que não canta, o juiz que fala na TV e nos jornais. No Futebol Português primeiro jogou em 18-12-1921 a selecção nacional e só depois em 18-6-1922 se disputou a final do Campeonato de Portugal. O paradoxo deste livro de Gonçalo Pereira Rosa (n.1975) está implícito: os estágios nos hotéis foram o motivo de ruptura, hostilidade e afastamento de Allison mas foi em algo parecido com estágios (almoço, lanche e jantar em restaurante) que os jogadores do Sporting criaram, cimentaram e deram corpo à sua união, à sua amizade e ao seu companheirismo. Dinis Machado contou-me que seu pai, Oliveira Machado, dono do «Farta Brutos», ex-árbitro, colaborador do RECORD e benfiquista fanático, o levou à Rua Jardim do Regedor para ver a Sala de Troféus do SLB. No fim da visita ouviu-o dizer: «Eu sou do Sporting porque apertei a mão ao Jesus Correia!». Gonçalo Pereira Rosa apertou a mão a antigos jogadores leoninos e ao longo de quatro anos reuniu depoimentos: Meszaros, Melo, Fidalgo, José Eduardo, Francisco Barão, Inácio, Eurico, Zezinho, Virgílio, Marinho, Ademar, Lito, Mário Jorge, Esmoriz, Carlos Xavier, Freire, Alberto, Nogueira, Manuel Fernandes e António Oliveira. Não só os jogadores mas também outras figuras da época: Mário Mateus (Marinho), Manuel Pinto Coelho, Armando Biscoito, Eugénio Silva Ribeiro e João Xara Brasil. O livro tem 316 páginas, 12 capítulos e 1 epílogo e com as 16 páginas a cores é uma fotobiografia. Um dia Brian Clough, em conversa com Allison afirmou: «Não terás problemas com directores até ao momento em que tiveres sucesso». Pedro Gomes e Barnabé testemunham a mesma atitude; depois de vitórias nas «Reservas» do Sporting com o Alhandra e o Sintrense foram castigados por falta de empenho. O mesmo é dizer falta de esforço, devoção e dedicação. Os directores nunca poderão ter com eles a glória; só lhes resta o poder. Andei pelo país de 1988 a 2006 em reportagem para o Jornal SPORTING e posso testemunhar que Jesus Correia ou Manuel Fernandes eram festejados com júbilo enquanto os vice-presidentes eram ignorados. O despedimento do médico Pinto Coelho por um director à porta do autocarro «leonino» foi uma facada no treinador Alison, seu amigo de todas as horas. Em 1928 nos Jogos Olímpicos de Amsterdão Portugal começou por ganhar ao Chile por 4-2 e à Jugoslávia por 2-1 vindo a perder com o Egipto por 2-1, o Egipto que a Itália venceu por 9-0. A equipa do Sporting teve uma maldição parecida: venceu o Campeonato e a Taça de Portugal mas foi eliminada na Taça UEFA por uma equipa com nome de medicamento. O incrível aconteceu em 1982 como em 1928. Passar do particular para o geral é um dos méritos deste livro. Cada história vale por si mas desenha o quadro de um tempo português em 1981-82 um tempo sem telemóveis nem Internet mas no qual já existiam as raízes do actual estado de coisas. Um exemplo: Southampton e a tentativa de esconder na RTP o filme do jogo no qual pela primeira vez uma equipa portuguesa venceu uma equipa inglesa em Inglaterra. A página 167 do livro compara o jogo de futebol a um circo. É um tema que dá pano para mangas. Um dia Fernando Assis Pacheco escreveu «Se eu fosse Deus parava o Sol sobre Lisboa». Eu digo «Se eu fosse Deus faria com que este livro tivesse os leitores que merece». E apertava a mão ao Gonçalo como o Dinis Machado apertou ao Jesus Correia.

(Editora: Planeta, Revisão: Fernanda Fonseca, Fotos: José Lorvão e Arquivo Manuel Pinto Coelho -  Um livro por semana 593)
   

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O meu destino em 1957 era ser navalheiro como toda a gente



«Eu sou a filha da Julita» - dizia a menina que me abriu a porta do escritório da fabrica «Ivo Cutelarias» fundada em 1954 por João Ivo Peralta, irmão de António Ivo Peralta («Sovi»), amigo da minha mãe (Olímpia do Carmo Almeida) e do meu pai (José Francisco). Foi no passado dia 8 de Março e houve uma viagem no tempo. A partir da frase «Eu sou a filha da Julita» lembrei-me de Santa Catarina em 1966 quando havia as férias «grandes»: a Julita comprava uma cigana para o almoço do pai (Euménio) dito Ménio, o Roberto inaugurava com o meu avô José Almeida Penas a época do «abafado» na azenha do ti Zé Padre no Rio do Casal da Coita que vinha pelo Vale de Água até se juntar ao Rio da Pedra. O meu avô era guarda-redes da equipa onde jogavam o meu tio-avô Joaquim Freire, o Juventino do ti Manel Inácio (o primeiro jornalista), o ti Carlos Pinheiro (que me dava limões), o Abílio Milhafre (que tocava clarinete), o Diamantino do Manel Lúcio, o Zé Coimbra que tocava pratos na Filarmónica. Eram onze e não havia substituições. Nos jogos do Campo do Rio da Pedra, mais tarde, lembro-me do Joaquim Clímaco recolher o dinheiro para a lavadeira num boné. Esse mesmo Joaquim (irmão do Manel, meu colega na 4ª classe) um Domingo de manhã salvou-me a vida: a minha avó mandou-me ir buscar a burra ao Vale de Água e o cão a ladrar à porta do Afonso (ferrador) assustou o animal que dasatou a galopar. Perto do portão da Casa Grande o Joaquim conseguiu parar a burra e assim me safei pois poderia ter ficado ali se batesse com a cabeça nas pedras da rua. O meu avô foi amigo do Artur Sena Pinheiro, fundador da «Senófila» onde nasceram os Xutos e Pontapés. A vida é um mistério. A memória é um sótão distante. A prata da minha casa tem onze heróis. Estão todos na fotografia; ninguém quer sair.

(Crónicas do Tejo 125 - Fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Almada e o Tejo – roteiro sentimental de uma das «minhas» cidades



Quando elaborei por escrito e por extenso uma espécie de «memória justificativa» para num certo sentido legitimar o início das minhas crónicas (do Tejo) no «Correio do Ribatejo» dei conta das minhas vivências em 1957 no Montijo (escola primária), em 1961 em Vila Franca de Xira (escola comercial) e em 1997 em Santarém (redactor de O MIRANTE) sem esquecer Lisboa e a Rua do Ouro onde tenho vivido e trabalhado desde 1966 até hoje – 2018. Mas a vida é um mistério e nada acontece por acaso: hoje (15-3-2018) entrei numa livraria com o meu amigo Joaquim Nascimento (ofereceu-me um livro!) e comprei o brasão de Almada. Embora nunca tenho lá vivido nem trabalhado, a verdade é que, desde sempre, me lembro de esta (hoje) cidade fazer parte da minha vida. Há muitos anos morreu na piscina do Seminário de Almada um jovem estudante natural de Santa Catarina (o António) de quem eu era muito amigo. Na altura só me lembro de duas palavras perante a sua morte: dôr e confusão. Dôr pelo desaparecimento dele e confusão pelas circunstâncias nunca esclarecidas da sua morte. Mais tarde Almada foi o lugar onde entrevistei o dramaturgo Romeu Correia para a Revista «A Bola Magazine», entrevista mais tarde englobada no meu livro «As palavras em jogo» e parte dela recordada no livro «Passeio mágico com Romeu Correia» de Luís Alves Milheiro. A propósito deste meu grande amigo e quase-conterrâneo (Salir de Matos fica perto de Santa Catarina) não posso deixar de recordar as suas grandes capacidades informáticas em meu favor (sou um sem-abrigo) e as nossas intermináveis caldeiradas em Cacilhas quando a refeição serve em teoria para actualizar a escrita mas apesar de tudo esta nunca fica, de facto, em dia. A minha filha Ana, o marido e os filhos gostam muito da Casa da Cerca mas isso já é outra crónica.

(Crónicas do Tejo 123)