terça-feira, 18 de junho de 2019

«O sábio de Bandiagara – Esconjuros. Ebriedades e Ofícios» de Zetho Cunha Gonçalves



Zetho Cunha Gonçalves (n.1960) explica o ponto de partida deste livro de 92 páginas: «Este é um livro de versões, transversões e reconversões de poemas, provérbios, adivinhas, frases soltas e outros materiais potencialmente poéticos, vindos de outras línguas e civilizações – sobretudo africanas e latino-americanas – aqui transplantados para língua portuguesa.» Depois de lembrar Octavio Paz («Sabemos que os astecas recitavam, cantavam e dançavam os seus poemas») o autor, nascido no Huambo (ao tempo Nova Lisboa), regista as semelhanças entre os astecas e os povos de toda a África subsariana e os poemas que lidam com «as cosmogonias, os poemas rituais, os cantos de trabalho, de ninar, de celebração, de entronização e de óbito». Por isso mesmo pode concluir: «não há Poema digno desse nome que não advenha de uma tradição que em si mesmo cria e nela se transmuda inaugural, pela voz criada, impositiva e única, inconfundível, do seu Autor.»
Um dos poemas que melhor espelha a intertextualidade pode ser o da página 12: «Se queres saber quem sou / Se queres que te ensine aquilo que sei / Deixa de ser um pouco daquilo que és / E esquece tudo quanto sabes.»
Entre a Vida (breve) e a Morte (inevitável) só o Amor pode salvar: «Os tempestuosos quinze anos / Os vinte turbulentos / Os trinta sedentos / Os destrambelhados quarenta / Os erráticos cinquenta / Os avançados sessenta / Os serenos setenta / Os exaustos oitenta / Os anestesiados noventa / Os humildes cem anos!»
A vida pode ser uma viagem mas há sempre a adversativa como no poema da página 40: («Embora eu tenha chegado ao fim da viagem / Nunca senti que tivesse chegado») e a única certeza sobre a Vida está na mulher: «Em cada mulher começa o mundo /e o que dizeis tão serenamente /no tom dos graves sussurros /que recordo ter aprendido de minha mãe / os segredos da vossa indagação.»
Perante o desafio do Mundo, o verdadeiro artista, o que não é torpe, tem uma ética na sua prática: «O verdadeiro artista tudo retira do seu coração; / trablha com deleite, faz tudo com calma, com prudência / age como um tolteca, compõe coisas, trabalha habilmente, cria / transforma as coisas, aticula-as, faz com que se ajustem.»
Em conclusão podemos proclamar como o poema da página 81: «Retém o que acabaste de aprender / tu que aprecias sobremaneira o conhecimento /e sabes que o saber vale mais que o âmbar / muito mais que o coral e até mesmo mais que o ouro fino.»

(Editora: Maldoror, Capa e Grafismo: Luís Henriques, Paginação: Diogo Vaz Pinto, Revisão: Andreia Baleiras)

[Um livro por semana 621]

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