segunda-feira, 10 de junho de 2019

«O Bairro dos Jornais» de Paulo Martins



Titular da carteira profissional de jornalista nº 4149, eu estou no Bairro Alto desde 1977. O primeiro jornal onde escrevi foi o «Diário Popular» em 1978 na Rua Luz Soriano nº 67 e o segundo foi «A Bola» em 1979 na Travessa da Queimada nº 23. O meu primeiro livro («Iniciais») foi publicado em 1981 pela Moraes Editora na Rua de O Século nº 34, antiga redacção de «A Capital».
Nada neste livro de Paulo Martins (n.1962) me é, nem pode ser, indiferente. Desde logo a citação de Norberto de Araújo, ilustre jornalista: «Os jornais, a fogueira que arde e que queima – ilumina daqui a cidade e, nas suas faúlhas que desencontrados ventos nem sempre levam bem, aquece em redor.» Há nos jornais uma mistura de pessoal e de público: «Por isso os apelidos Coelho (Diário de Notícias), Silva Graça e Pereira da Rosa (O Século), Burnay e Bordalo Pinheiro (Jornal do Comércio) Vieira Pinto e Ruella Ramos (Diário de Lisboa), Balsemão (Diário Popular) percorrem as páginas que se seguem. As famílias perdem influência à medida que se consuma o assédio da Banca, entre final dos anos 1960 e o início da década seguinte».
Falar de jornais é falar de Censura: «Ferreira de Castro conta um episódio em torno de uma reportagem da sua autoria, nas minas de São Domingos, detidas por uma empresa inglesa, que foi integralmente suprimida pela Censura. Pereira da Rosa disse ter lido o texto duas vezes, não encontrando razões para o corte. Debalde se queixou pelo telefone ao general investido por essa altura em ministro. Percebeu que o director da mina envolvera no caso o embaixador britânico e argumentou que em situação inversa, nenhum representante diplomático ousaria ir ao Foreign Office pedir que o Governo inglês proibisse os jornais de Inglaterra de se ocuparem dum caso semelhante. De nada valeu.» Na página 264 pode ler-se sobre as relações entre patrão e empregado o seguinte: «Havia uma relação muito estreita entre o patrão e o jornalista, confirma Baptista-Bastos. Era também um certo paternalismo e uma certa conivência mas a gente sabia para quem trabalhava e falava diretamente com eles.»
Um aspecto curioso é que os redactores dos jornais desportivos não podiam ser sócios do Sindicato dos Jornalistas até 1972 restando-lhes a filiação no Sindicato dos Tipógrafos. Por isso em 1966 foi criado o CNID para permitir as acreditações do Campeonato do Mundo em Inglaterra. Outro aspecto curioso tem a ver com as palavras do assessor de Willy Brandt que afirmou em pleno tempo do «caso República»: «Se querem ganhar dinheiro nunca metam política na primeira página e não metam também notícias importantes, ponham mulheres e crime.» Por fim uma ideia que permanece, apesar dos anos que passaram: «Num país pequeno e analfabeto, era entre o Bairro Alto e o Chiado que se concentravam não apenas as redacções dos jornais mas também as sedes partidárias – quando não partilhavam o mesmo espaço.»

(Editora: Quetzal, Revisão: Carlos Pinheiro, Preparação: Diogo Morais Barbosa, Edição: Francisco José Viegas, Capa. Rui Rodrigues, Foto: Arquivo Municipal, Produção: Teresa Reis Gomes) 

[Um livro por semana 620]

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