quinta-feira, 15 de março de 2018

O Saldanha numa memória escrita de Jorge Silva Melo


Em boa hora o jornal «Diário de Notícias» publicou uma colecção de fotografias de Lisboa com o título de «Lisboa antiga». No livro «Século passado» de Jorge Silva Melo (Edições Cotovia) descubro uma crónica notável sobre a vida no Saldanha nos idos anos 60 do século XX. A ler: «Sempre que, agora, por lá passo, pelo Saldanha, sinto-me fechado, angustiado, enterrado, esmagado, Foi ali que abri a minha vida juvenil, início de poemas, ideias de filmes e artigos, artigos, política. E agora quase só lá passo de carro, ponho-me a olhar para o que já não reconheço: há branco a mais, vidro a mais, atafulhamento de volumes, luzes a mais e não percebo o que por ali há, lojas e lojas onde não ouso entrar, marcas a mais, uns cinemas, umas caves, outras lojas, não sei, sei que nada daquele mundo é para mim, agora, parece-me arrabalde, auto-estrada. E foi, durante anos, o centro de Lisboa, da minha vida universitária, da Lisboa conspirativa dos literatos e cineastas, da gente do teatro e dos jornais. E era nos cafés, abertos desde manhã cedo a até de madrugada, abertos aos feriados e aos domingos que tudo se ia passando. A modorra de quem não sabe o que pode fazer para que as coisas mudem, as discussões sobre o filme acabado de estrear na sala ao lado, a análise do livro recenseado no suplemento do «Diário de Lisboa», nossa leitura obrigatória a partir das cinco da tarde, a participação nas polémicas que zurziam, os projectos profissionais. E, ao domingo, era o almoço com a família no Monte- Carlo, almoço demorado com pratos e sobremesas e conversas sobre cinema, o filme que se havia de ver naquela noite, se o Bem-Hur no Monumental, se o Quanto mais quente melhor, lá em baixo no São Jorge.» (Fim de citação…)    
(Crónicas do Tejo 106)

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