O mais recente livro de António Ferra integra 45 poemas pícaros no sentido não só de «astuto» e «malicioso» mas também aquele que «com arte e dissimulação logra o que deseja». Há nestes poemas uma dupla inscrição: o texto enquanto tal e o referente quotidiano como por exemplo «aceda ao portal das finanças», «estamos abertos ao sábado», «sala no primeiro andar» ou «cartão do cidadão ou BI».
O título do livro vem do poema
27: «O galope da zebra em tango argentino é dança no zoo/ (cagança poética),
/com língua de velcro lambe a crina o bicho /de coice e martelo, /mestria de
Braque em cubo incolor, /clara em castelo.»
Ao longo dos 45 poemas se
percebe a já referida dupla inscrição (discurso poético - legenda trivial) pelo
recurso a expressões como por exemplo «amparo de mãe» ou «URSS», figuras das
letras e das artes, títulos de livros ou de peças de Teatro: Fernão Mendes
Pinto, Braque, Debussy, Gargântua, O valente soldado Svejk, As vinhas da Ira,
Beijo técnico.
A ironia atinge um ponto mais
alto no verso que refere «a bicicleta de Bernardim» quando se sabe que de
Bernardim é o rouxinol – o mesmo é dizer Coimbra.
Fiquemos com o poema 44 como
legenda e despedida: «Querida Daisy, /nós por cá todos bem /a poetar na
brevidade/de um orgasmo a solo/ o teu sardão morreu de sede/ a caminho do
Algarve, /dá notícias, /teu Alfrede.»
(Editora: Douda Correria,
Capa: Helena Sanmiguel Urbina, Composição: Joana Pires)
[Um livro por semana 691]
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