quinta-feira, 15 de setembro de 2022

«Clara em castelo» de António Ferra


O mais recente livro de António Ferra integra 45 poemas pícaros no sentido não só de «astuto» e «malicioso» mas também aquele que «com arte e dissimulação logra o que deseja». Há nestes poemas uma dupla inscrição: o texto enquanto tal e o referente quotidiano como por exemplo «aceda ao portal das finanças», «estamos abertos ao sábado», «sala no primeiro andar» ou «cartão do cidadão ou BI».

O título do livro vem do poema 27: «O galope da zebra em tango argentino é dança no zoo/ (cagança poética), /com língua de velcro lambe a crina o bicho /de coice e martelo, /mestria de Braque em cubo incolor, /clara em castelo.»

Ao longo dos 45 poemas se percebe a já referida dupla inscrição (discurso poético - legenda trivial) pelo recurso a expressões como por exemplo «amparo de mãe» ou «URSS», figuras das letras e das artes, títulos de livros ou de peças de Teatro: Fernão Mendes Pinto, Braque, Debussy, Gargântua, O valente soldado Svejk, As vinhas da Ira, Beijo técnico.

A ironia atinge um ponto mais alto no verso que refere «a bicicleta de Bernardim» quando se sabe que de Bernardim é o rouxinol – o mesmo é dizer Coimbra.

Fiquemos com o poema 44 como legenda e despedida: «Querida Daisy, /nós por cá todos bem /a poetar na brevidade/de um orgasmo a solo/ o teu sardão morreu de sede/ a caminho do Algarve, /dá notícias, /teu Alfrede.»

(Editora: Douda Correria, Capa: Helena Sanmiguel Urbina, Composição: Joana Pires)

[Um livro por semana 691]


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