quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

«Herdeiro Universal» de José Correia Tavares


Este primeiro livro póstumo de José Correia Tavares (1938-2018) integra nas suas 96 páginas uma divisão com o título de «Cronista da Reino» mostrando que o autor perfila lado a lado (dito de modo simples) o «eu» e o «nós», tal como assinala Mário de Carvalho no prefácio: «junta nos seus versos o absurdo, a ternura, o espanto, a ironia e o sarcasmo». O título do volume está na página 21: «Facturando Bem e Mal/Erecto, só duas pernas/Sou herdeiro universal/Desde o tempo das cavernas».

O poeta apresenta-se em três quadras. Primeira - «Em todo e qualquer momento/Mas sempre de face nua/A mim é que represento/No grande palco da rua.» Segunda - «Por muito gostar de ti/Também pela poesia/Olhei coisas que não vi/Vi coisas que nem havia.» Terceira - «No fim de longa romagem/Por terras que nem sabia/Encontrei a personagem/Da minha biografia.»

Portugal está noutras três. Primeira - «Desde Beja até Marvão/Barros e areias sem nome/São estas terras de pão/Também aquelas da fome.» Segunda - «Ao leme perdeu o norte/Coisa com coisa não diz/Merecia melhor sorte/Este barco – meu país.» Terceira - «Versos que passo ao papel /Com nível, fio de prumo/Doces ou sabendo a fel/O meu país em resumo.»

Entre o Poeta e o País surge a Poesia em mais quadras. Primeira - «Nem sei se isto te magoa/Tanta obra publicada/Basta um livro do Pessoa/Para não valeres nada.» Segunda - «Autoria veneranda /Ou um estilo mais leve/só a palavra comanda /Não quem os livros escreve.» Terceira - «Se achasse não ser nada/O que faço em poesia/Adeus já noite fechada/Nunca mais ninguém me via.»

A cultura está representada em mais três quadras. Primeira - «Eu prefiro a alegria/mais pimba dos arraiais/À grande sensaboria/Destes serões culturais.» Segunda - «O ter dito bem de mim/Deixou-me desconfiado/Elogio dum Caim/Não é letra do meu fado.» Terceira - «É bem do povo miúdo/Minha seiva elaborada/Doutor só pelo canudo/Valeria pouco ou nada.»

Fica a chamada de atenção para um livro fascinante e singular no qual a Morte, as Artes e Letras, o Amor e até o Futebol surgem em quadras certeiras de um trabalho que continua: «Retiro do meu tear/Manta jamais concluída/O fio para enfiar/As contas que deito à vida.»

(Editora: adab Edições Húmus, Prefácio: Mário de Carvalho, Capa: Natércia Tavares, Apoio: Município de Gouveia)     

[Um livro por semana 681]

 

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