quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

«A mesa está posta» de Jorge Silva Melo


Depois de «Deixar a vida» (2002) e «Século passado» (2007) Jorge Silva Melo (n.1948) surge com este livro de 407 páginas que é de todo impossível sintetizar em 31 linhas. Crítico de cinema e de teatro, actor, argumentista, professor, tradutor, ensaísta, dramaturgo, realizador de cinema, JSM trabalhou como assistente de Peter Stein e Giorgio Strehler, sendo fundador do Teatro da Cornucópia e director do Grupo Artistas Unidos. Bastaria a «saga maldita» dos Artistas Unidos no «Espaço A Capital» para organizar um inventário de acções miseráveis, silêncios criminosos, alheamentos perversos, traições canalhas e mentiras tenebrosas: «Fomos para sítios que detestei como o Teatro Taborda onde nem sequer a chave tínhamos! Depois o Convento das Mónicas onde até nos cortaram a electricidade para nos obrigarem a sair…» A sua paixão pelo Teatro nasceu muito cedo: «Foi lá em cima, no Tivoli entrando pela porta das traseiras, que comecei a ver teatro. Foi por 1958-9, Era uma coisa cá comigo, como se fosse um segredo.» Das suas memórias se pode extrair uma ideia de Teatro: «Um segredo ente o palco e quem, deslumbrado, vê?» Ou sobre a Vida: «Mas não é isso a vida, histórias que vamos inventando nessa vida sempre mais pequena do que o nosso desejo?» Sobre Teatro o autor não pergunta mas declara: «O teatro que me interessa não tem nada, nada, nada mesmo nada a ver nem com a magia nem com as variedades.» E sobre o Cinema, mais adiante: «A minha formação é o cinema, estudei cinema, fiz cinco longas metragens e alguns documentários: em que é que escrever uma peça é diferente de escrever um argumento?» A propósito de «A Estalajadeira» de Carlo Goldoni surge uma ideia: «Sim gosto de ver uma senhora a passar a ferro, gosto do realismo, (…) ingénuo, analítico. E quando penso no teatro é raro não pensar logo em copos, pratos, louças, cadeiras, mesas. Sim, venho daí.» Enda Walsh está na página 159 («Andamos todos à volta do Christy») e Tchékhov na 279: «Querem heróis, heroínas, efeitos cénicos. Mas na vida as pessoas não andam aos tiros nem fazem declarações de amor a toda a hora nem a toda a hora se dizem coisas inteligentes.» Ao lado da vida fica a força da morte: «10 de Agosto, 2018. Sei do suicídio, no Porto, de um actor que não conheci, amigo de amigos. Rapaz ainda, 31 anos. Fiquei tão triste. Chamava-se António Alves Vieira. (Que querem?, sinto culpa por não o ter conhecido, gostava de ter estado com ele, de o ter visto, actor. Porque gostava de o ter honrado naquilo mesmo que fazia, o teatro que quis.) Penso nesse rapaz que não conheci.» Uma nota final para uma paixão antiga: «Volto sempre a Goldoni, nasceu ali um teatro, nasceu um mundo. Não terá sido Goldoni a inventar o sorriso, essa forma que ele tem de acariciar as fraquezas dos homens?» Um livro a não perder.

(Editora: Livros Cotovia, Organização: Leonor Buescu, Foto da capa: Jorge Gonçalves, Paginação: Joana Figueira, Apoios: Fundação Calouste Gulbenkian, Direcção Geral das Artes, Ministério da Cultura)

 [Um livro por semana 678]

 

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