Neste
livro de 159 páginas se juntam alguns poemas publicados entre 1972 e 2012 por
Urbano Bettencourt (n.1949), poeta, ensaísta, autor de narrativas e professor.
O
ponto de partida do livro é uma quadra («Minha ânsia de caminhos/de caminhos
por andar/madrugada de viagens/cansadas de madrugar») e um poema intitulado «De
Mafra, com mágoa»: «Por detrás da máscara eu lá estou / sem ódios, nem balas,
nem guerras /despido / e com um ramo de cravos / em cada mão.»
Por
entre a luz da Vida surge a sombra da Morte, por entre a gramática de paz na
Ilha surge o Natal em África na guerra: «sem nozes nem lâmpadas /sem presépio
nem padres finalmente/ o natal escorrer de saudade pelos olhos do soldado/
agarrado à breda remuniciada.» Oscilando o seu registo poético entre a Natureza
e a Cultura, há nestes poemas um outro diálogo com a Poesia por exemplo a
partir de um poema de J.H. Santos Barros na página 75: «Fazer versos dói? Não!
As tecnocracias /literárias também fazem fermentar os seus vates voadores/ de
cinco e mais estrelas compondo em papel de cor/ e perfumado suaves consolações,
perversas constelações /ao Dicionário de Rimas arrebatadas. O que dói é
arrancá-los/ assim ao próprio sangue como se um filho fora, erguê-los/ à boca,
dar-lhes um nome e nisso inscrever / a nossa morte. A nossa vida.» Ou a Pintura
(Domingos Rebelo) como na página 69: «Estaria ausente o pintor quando / no cais
antigo as mulheres /desembarcavam os maridos os baús /e as crianças? Talvez não
o saibamos nunca, mas alguém nos dirá o que olham estes olhos distantes e perdidos
mesmo antes de partidos? /Janelas de Ponta Delgada, que horizontes vos não
fixam e se vos negam?» (Este poema citado em excerto é dedicado a Eduardo
Bettencourt Pinto e Emanuel Jorge Botelho). Uma nota final para a ironia sempre
presente na escrita de Urbano Bettencourt, como na página 131: «Reparem bem nos
porcos /eles não lêem não escrevem /nem mesmo o próprio nome soletram /e no
entanto/ crescem engordam/ etc e até roncam / na praça pública.» Poesia séria,
alta e grave, lembra-me as palavras de Maria Eulália de Macedo: «Para mim,
Poesia é estar atento e aberto ao que somos e nos ultrapassa. É uma espécie de
fugidio sacramento, a exigente voz das coisas que são verdade – para além da
verdade das coisas.»
(Editora:
Companhia das Ilhas, Prefácio: Carlos Bessa)
[Um livro por semana 658]
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