sexta-feira, 24 de março de 2017

A "Solidão" de Irene Lisboa (1892 - 1958)



Irene Lisboa (1892-1958) nasceu perto de Arruda dos Vinhos e morreu em Lisboa. Num pequeno convite à leitura e descoberta dos seus livros, revelo uma das suas páginas no livro «Solidão» editado pelo Círculo de Leitores. Vejamos: «Que dia tão bonito, tão bonito! Até me parece que vejo a água do Tejo correr e brilhar; Os barcos pequenos cruzam-se uns com os outros. Tudo se move para aqueles alegres lados. Era interessante poder reter o que vejo e o que sinto: a fulgência da manhã, a vibração das coisas, aquela palpitação da água. Ora me parece que despede faíscas, ora que está cheia de malhas brancas que nos iluminam. Esta terra é curiosa. De vez em quando parece-me nova e animadora, conhecendo-a eu embora tanto! Uns cegos que encontrei lá para baixo estão agora ali parados, a cantar. Rodeados de marçanos e de gaiatos. Uma pequenita daquela casa encarnada, que me parece de teatro ou de papelão, onde há muita gente pobre e reparadora, veio pôr-se à janela a ouvir os cegos. Tal qual uma boneca de trapos! De chapéu de homem por causa do sol, de cintura muito apertada; Tudo tem a sua animação, tudo é engraçado. Mas basta-me fechar a janela e pôr-me a escrever para logo tudo se desanimar». Noutra página Irene Lisboa reflecte sobre a sua condição de autora: «Tu dizes-me que no que eu escrevo há sempre uma continência ou uma insuficiência que desconcertam quem me lê. Sim. Afinal porque é que eu não disse mais? Porque me deixo dominar sempre por um pudor, uma reserva que limitam a compreensão de quem me lê? Tu atribuis tudo isso à compressão social, a um hábito de defesa, a um critério moral velho, a um gosto artístico restrito; É possível que tenhas razão.»


 (O belo desenho de Vítor Simões junta o Caes das Colunas de 1923 e o Cais das Colunas de 2008)

Sem comentários:

Enviar um comentário