quinta-feira, 21 de março de 2019

«O ouvido que escreve» de Victor Rui Dores



Victor Rui Dores (n.1958) celebra 60 anos de vida e 40 anos de poesia – começou em 1978 com «Poemas de fogo e mar». O título do volume de 262 páginas recorda Verlaine (De la musique avant toute chose) e o facto de o autor ter dezenas de poemas seus musicados por compositores como Zeca Medeiros, Sérgio Luís Paixão, Luís Alberto Bettencourt, José Amorim de Carvalho, Fernando Goulart, Emiliano Toste, Custódio Castelo, Chico Ávila, Carlos Alberto Moniz, António Severino e Antero Ávila. Além dos Grupos «Tributo» e«Ronda das 9», as canções de Victor Rui Dores são interpretadas por Armando Meireles, Arminda Alvernaz, Calos Alberto Moniz, Chico Ávila, Cláudia Amaral Pinho, Emiliano Toste, Gui Serpa, Iola, José Ferreira, Maria dos Anjos, Minela, Pilar Silvestre, Sérgio Luís Paixão, Sílvia Vasconcelos e Vera Melo. Um exemplo é «O boi do Mar»: «Vogando em botes ligeiros / nas ondas do mar deserto / navegaram baleeiros / na busca de um rumo incerto / fique a terra a barlavento / a baleia já avança…/ mar nos olhos, proa ao vento / vamos arpoar a esp´rança! / baleeiros, baleeiros / a memória inda perdura / sois os heróis derradeiros / da marítima aventura».
O ponto de partida desta poesia é a Ilha: «chuvas diluvianas / o céu estará ameaçador / e o tempo ficará cinzento. / o vento vai galopar à rédea solta. / o mar andará danado para galgar a terra. / e nós continuaremos para aqui: / encharcados de nevoeiro e humi(l)dade. / eternamente à espera / que se cumpram as escrituras.» O ponto de chegada é o Mundo: «sonho que sou pianista / e para ti toco uma sonata de Beethoven. /descansa o teu olhar em mim, meu amor. / esquece a aragem fresca da noite / e olha as minhas mãos que seduzem  / os meus dedos que cantam / e escuta a cadência do instante absoluto.»
Pelo meio a viagem, seja na cidade como a Horta («como és sedutora, fascinante e misteriosa / oh minha querida cidadezinha de mar!») seja nos herói da ficção como Margarida de «Mau tempo no canal» («minha ilha, minha gente / lava salgada, meu cheiro / ai amor feito serpente / neste mar tão traiçoeiro») ou da realidade como Genuíno Madruga: «num veleiro embarcado / em marés de solidão / procuraste o sonho e o fado / da circum-navegação / é preciso estar bem vivo / anotaste no teu diário / se navegar é preciso / tu navegas solitário». Sem esquecer o sonho: «lá vai a Ilha Terceira / e o seu povo satisfeito / ver toiros segunda-feira / na varanda do seu peito / toiro na ponta da corda / fúria em terra de lava / e a ilha toda acorda / na força da festa brava.»
O autor adverte «Não é impunemente que se nasce numa ilha onde a terra é pequena, o mar é vasto e o sonho é enorme» e sobre a sua produção poética avisa: «Considero-me um modesto artesão de palavras. O meu ofício é o de lapidar as palavras exactas, únicas e essenciais.»Além de três livros recuperados (1978, 1990, 1991) e das «Canções viageiras», o volume integra  «Poemas do maduro amor» (inéditos) e nove textos («Visão das Ilhas») em forma de «poesia descritiva» - como dizia Vitorino Nemésio.  
       
(Editora: BLU edições, Ilustrações: Manuel Martins, Design Gráfico: Mário Duarte, Arte Final: Luís Maia)

 [Um livro por semana 613]

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