Ronaldo
Cagiano nasceu em Cataguases (Minas Gerais – Brasil), é licenciado em Direito,
viveu em Brasília e em São Paulo, tendo-se radicado em Portugal (Costa do Sol)
e estreou-se em livro em 1989 com «Palavra engajada» (poemas).
Neste
livro de 2018 o ponto de partida é o «eu»: «Nasci empurrado pelas águas/ de um
ribeirão em fúria / numa madrugada espúria / com sua opulência de gritos, /
abril se despedaçando». O ponto de chegada é o lugar no qual «Há um mundo
dentro das palavras/ (máquina soturna) / que tento desbravar: / esse
promontório / que é sedução / ou abismo.» e surge uma certeza: «A viagem ao
passado / nunca regressa: / na combustão da memória / sinto um cão /
chafurdando o íntimo / adulando um cardume de açoites.»
Pelo
meio, entre o ponto de partida e o ponto de chegada, ficam as viagens (Buenos
Aires, Lisboa, Roma) e os rios (Tibre, Tejo). Tal como Federico García Lorca, o
autor poderia afirmar num verso que «a vida não é bela nem sagrada» mas, e ao
mesmo tempo, o poeta teima, teima sempre: «Não há metáfora possível / no
cativeiro da fé. (…) Na contumácia da mentira / residem a inexatidão da vida /
a persuasão da morte. / Nas vísceras do pranto / a denúncia do que não sabemos.
/ Minha vida só reconhece / o matraquear das dúvidas / e sua rumorosa oficina
de desacertos.»
Num
duplo registo (Natureza e Cultura) os poemas oscilam entre a Geografia, o Cinema, a Literatura e a Música. O livro
abre com o poema que dá título ao conjunto: «Nas águas do velho rio / que passa
pela minha cidade / e corta minha memória / feito / lâmina resoluta / há barcos
misteriosos / que conduzem sonhos e malogros / do menino que adormece em mim.»
O Cinema está no poema da página 34: Almodóvar e Kiarostami. A Literatura está
nas citações e até num poema em diálogo com a Poesia de Murilo Mendes. Versos
de Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, David
Mourão-Ferreira, Manuel Bandeira, António Cícero ou Nuno Júdice ajudam o Poeta
a responder à «dor» do Mundo que é sempre muito mais do que «uma sílaba atroz».
(Editora: Urutau, Apresentação: Álvaro
Alves de Faria, Revisão: Beatriz Regine Guimarães Barboza, Edição; Tiago Fabris
Rendelli e Wladimir Vaz)
[Um
livro por semana 609]
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