José Constantino Costa (n.1958) poderia
ter intitulado este livro como «Fotobiografia» mas preferiu chamar-lhe
«Autobiografia muito ilustrada». Carlos Reis no «Dicionário de Estudos
Narrativos» (Almedina) define a autobiografia como «o relato de uma vida feito
por quem a viveu». O livro tem 219 páginas e eu assino na contracapa um texto
sintético de quatro linhas: «Entre o que conta e o que sugere, entre a vida e o
estilo, entre o segue pisado e o exercício, JCC parte da sua memória particular
(pessoal, escolar, profissional) para inscrever uma memória geral do tempo
português destes últimos sessenta anos.» Algumas das histórias são apelativas
de modo especial. Por exemplo a do guarda da PSP que não sabia como se escreve
«Caetanos»: com «c» e não com «q», com «e» e não com «i». Ou a secretária duma empresa
que julgava ser o nome Holanda começado por «O» como Omã. Ou então o infeliz
que não queria ser entrevistado e respondia: «Vai-te embora que eu sou
maluco…eu sou maluco!». Sem esquecer o equívoco de uma senhora na Alliance Française de Algés que
perguntava a autor com 34 anos: «que que vá chamar a sua netinha?»
Pelo meio da narrativa há um «conto do
vigário» que começa com o clássico «Não imagina quantas pessoas abordei nesta
última meia hora sem sucesso!» além de uma história do 745 com um guarda da PSP
nos Restauradores a pedir ajuda para «esclarecimento do sucedido» no autocarro:
«O senhor motorista relatou a ocorrência de altercações no veículo que
culminaram em agressão» e de uma outra história passada no 758: «Quando me
reformei comecei a fazer recados para um gabinete de arquitetos; foi uma
revelação, rejuvenesci dez anos, descobri Lisboa que julgava conhecer e percebi
que tinha saída junto das mulheres…» O insólito
tem a ver com a página 25 onde se lê «o Sport Lisboa e Benfica foi fundado em
28-2-1904» em vez de 13-9-1908. O autor está bem acompanhado pois um livro de
Jacinto Baptista e António Valdemar refere 1-12-1907 como data do primeiro derby lisboeta. Portugal tem um sistema
cultural cheio de paradoxos e de mentiras: o morto fala, o cantor não canta, o
juiz trabalha na TV e o anjo da morte é uma mulher. O erro crasso da página 25
não é um caso isolado; tem companhia e muita.
Logo na página 16 surge uma história mais
frequente do que parece: a mulher que decide pelo pai em vez do marido quando
precisa de tomar uma decisão: «o jovem casal separou-se e ela voltou para a terra
com o pai.» Na página 37 JCC refere Eça de Queirós como «o meu escritor
português do século XIX» e não por acaso o mesmo Eça, numa carta aos condes de
Arnoso e de Sabugosa, afirma: «Contar histórias é uma das mais belas ocupações
humanas. Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorara o
homem.»
(Editora:
Mar de Letras – Ericeira, Capa: Luís Filipe Maçarico, Fotografias: José
Constantino Costa, Revisão: José do Carmo Francisco, Design e Paginação: Rui
Jorge Almeida)
[Um livro por semana 610]
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