A partir do conto «A
Catástrofe», de duas cartas a Ramalho Ortigão, de uma carta de Oliveira Martins
e do poema «A Portugal» de Tomás Ribeiro, organiza Mário Cláudio (n.1941) em
153 páginas o romance que Eça de Queirós (1845-1900) planeou e anunciou mas não
chegou a concluir. O próprio título sugere um plural que já tinha sido referido
na página 55 («os sucessos do Caia») ou na 82 («As batalhas do Caia») mas que noutras
páginas (46, 55 e 76) surge no singular como «A Batalha do Caia».Além do título,
a ideia de publicar o livro é objecto de reflexão na página 37: «o livro é, por
um lado, inoportuno, por outro, um ataque de folha em folha à vizinha Espanha e
serve portanto apenas para criar irritação. Por isso era melhor talvez que não
se publicasse.» O ponto de partida está na página 152: «a nossa Patriazinha a
sofrer tratos de polé às mãos do inimigo tradicional, que assunto melhor, um
verdadeiro achado, para espiolhar, se me apetecer?» A mesma Patriazinha pode
ser «ditosa pátria» na página 12 ou na página 145 mas aqui na variante «ditosa
Pátria».
Não temos em «As Batalhas do
Caia» apenas o livro em projecto de Eça de Queirós que Mário Cláudio escreveu
«escutando dentro de si a voz de José Maria» como refere a página 153. É
Portugal enquanto memória colectiva que estas páginas revelam a partir do
percurso particular do multifacetado homem que foi Eça de Queirós: Porto,
Lisboa, Coimbra, Évora, Leiria são lugares onde, além de escritor ele foi
jornalista e administrador de concelho. Cruzam a narrativa não só as peripécias
de Eça de Queirós enquanto cônsul mas outras histórias como por exemplo os
vagabundos de Paris que vendem o sangue nos Hospitais ao Instituto Pasteur para
voltarem à taberna e a dormir no chão ou Policarpo, herói anónimo que em itálico
conta as desventuras dum soldado que é sentinela à porta do Arsenal da Marinha
em Lisboa e volta à sua terra: «E ao aparecerem os filhos, uns atrás dos
outros, perceberá que está completando a casa que levantaram os avós».
Portugal será no fundo o
protagonista deste romance como no aforismo da página 83 («Portugal é como o
célebre pescador que desconhecia por completo o nome do próprio filho») ou da
página 84 («Portugal é uma alforreca a que nos apetece chamar de medusa») ou na
página 14: «Você diverte-me, José porque se diria detestar aquilo que ama em
Inglaterra e amar aquilo que detesta em Portugal.» Ficamos por aqui dando razão
à frase da página 82: «Não há armistício para as batalhas do Caia». Ou por
outras palavras: «Quem leu, leu; quem não leu não sabe o que perdeu.»
(Editora: Dom Quixote, Edição:
Maria do Rosário Pedreira, Capa: Rui Garrido, Revisão: Madalena Escourido)
[Um livro por semana 687]
Sem comentários:
Enviar um comentário