A
tua voz tem a extensão, o timbre e a altura da forte alegria teimosa contra a
névoa da melancolia e da tristeza ao fim da tarde nas ruas da cidade de Lisboa.
Quase ninguém repara mas, de súbito, na tua voz há pomares nos passeios, há
moinhos nos jardins e fragatas azuis entre as duas margens do estuário do Tejo.
Diria
então por outras palavras – há na tua voz o som da alegria que nasce da terra,
seja nas mulheres que colhem no seu avental a fruta do tempo, seja nas outras que
tiram dos alforges o grão que os rodízios de madeira do moinho vão transformar
em farinha, promessa de pão no calor do forno ou seja ainda nas despedidas das
mulheres aos homens das fragatas entre melões para os Mercados de Lisboa ou
madeira e cortiça com destino às fabriquetas do Poço do Bispo.
Há
sempre três mundos no pequeno mundo da tua voz (animal, vegetal e mineral), um
mundo que junta as pedras, os arbustos e os cavalos incansáveis no seu trabalho
de transportar homens e produtos que mais tarde serão mercadorias.
A
tua voz, mesmo quando se torna adversativa (o mesmo é dizer mas, porém,
todavia, contudo) tem sempre um pequeno sopro de ternura fazendo assim com que
se torne tudo menos agressivo para quem ouve, aceita e toma a sério.
A
tua voz tem o registo da mais alta Poesia, instável mas feliz ponto de encontro
entre a saudade e o sonho, entre o passado e o futuro, entre a sombra e a luz.
Porque, tal como numa liturgia urbana, há no ouro das alfaias da tua voz um
tempo de celebrar, de convocar, juntar e harmonizar de novo tudo aquilo que, no
nosso coração, a morte acabou por separar.
[Crónicas
do Tejo 165]
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