sábado, 5 de julho de 2025

«Montanha distante» de António Ladeira

 


António Ladeira (n.1969) vive nos EUA desde 1993 e é autor editado no Brasil e na Colômbia, tem livros de poesia e livros de contos em Portugal. Montanha distante nasce dum encontro entre um motorista de táxi e um passageiro: «Cada um de nós habita um mundo a que não faltam interlocutores reais ou imaginários. Todos nós somos conversadores, tanto os gregários como os solitários.» O condutor conta uma história ao passageiro: «Apesar de cobarde fiz nessa mesma noite as malas e saí de casa dos meus pais. Tremendo de medo mas com o palpite de que todo o sofrimento desapareceria num futuro não longínquo.» A ligação entre o privado e o público num mundo de opressão política e de escrutínio social está na página 10: «Há motoristas que o que ouvem por um ouvido transmitem-no imediatamente ao próximo, assuntos da vida privada, até questões políticas que nos podem pôr a todos em apuros. Não é o meu caso.» De modo mais explícito lê-se na página 42: «os monitores de secção receiam o olhar impiedoso do coordenador de nível, os coordenadores de nível temem o desagrado do coordenador de Torre, os coordenadores de Torre têm medo da revista final do director de Torre. O director de Torre receia a avaliação do Supervisor do Círculo de Segurança do Líder.» Aspecto curioso do livro é o uso do humor; uma trabalhadora do centro de Apoio Sexual afirma: «Shou boa ouvinte, shim, shôdona Cudenadora mas também posho sher faladora, she o cliente ashim o deshejar!» Fica uma ideia na página 134: «No relato do meu divórcio procurei notar nele alguma reacção à minha incompatibilização com uma família tão fiel aos valores patrióticos que nos regem a todos.» Na verdade o narrador é «um agente que quis um dia ser taxista e que, por isso, se fez passar por aquilo que sonhou ser.» 

(Editora: On y va, Foto do autor: Cris Duncan, Foto de capa: Gabriel Peter, Projecto gráfico: João Paulo Fidalgo)

 [Livros e Autores 31]